terça-feira, 2 de junho de 2020

Relação entre estresse térmico em bovinos leiteiros e a ocorrência de Leite Instável Não Ácido (LINA)

Escrito por: Vivian Fischer a

                    Arthur Fernandes Bettencourt b

                    Aline Cardoso Vieira c

a Professora Titular do Departamento de Zootecnia da UFRGS, Doutora em Zootecnia.

b Aluno de mestrado do Programa de Pós-Graduação em Zootecnia da UFRGS.

c Aluna de doutorado do Programa de Pós-Graduação em Zootecnia da UFRGS.

 

Os efeitos negativos do estresse térmico podem ser divididos em diretos, como alterações 1) comportamentais - traduzidas pelo aumento na ocorrência de eventos agressivos pela competição por água e sombra, maior tempo em ócio, redução no pastoreio diurno e aumento no noturno e maior ingestão de água; 2) fisiológicas, como aumento da frequência respiratória e cardíaca e temperatura corporal; 3)  redução no consumo de alimentos e 4) alterações digestivas, como a acidose ruminal além de alterações metabólicas como alcalose respiratória e acidose metabólica.

O menor consumo de alimentos, desacoplamento de rotas metabólicas e maior gasto de energia para dissipar o excesso de calor fazem com que as vacas estressadas termicamente reduzam a produção leiteira em 20-50%.

As vacas também alteram a composição do leite. Em função da menor síntese de componentes, as concentrações de proteína e gordura são reduzidas (Silanikove et al., 2009). A acidose ruminal e metabólica aumenta a concentração de cálcio iônico no leite (Marques et al., 2011), reduzindo as cargas negativas das micelas de caseína e a força eletrostática de repulsão entre elas, o que facilita a coagulação do leite ao etanol e/ou durante o processamento industrial (Fagnani et al., 2014; Werncke, 2018).

Em experimento com vacas Holandesas, com e sem acesso à sombra, na cidade de Itapiranga – SC, Abreu (2015) verificou que animais com acesso à área sombreada ofegaram menos (Figura 1) e produziram cerca de 38% a mais de leite em comparação aos animais sem acesso à sombra (Figura 2).


 Figura 1. Vaca sem acesso à sombra. Elevada frequência respiratória e escore de ofegação.

                                     Fonte: Abreu (2015).

 

Figura 2. Produção de leite diária, estabilidade no teste do álcool e acidez de vacas com e sem acesso à sombra sob estresse térmico

Fonte: Abreu (2015)

                  Fonte: Abreu (2015).

 

A privação de sombra reduziu a estabilidade do leite ao texto do álcool abaixo do valor mínimo permitido pelas IN 76/77 (MAPA), aumentou o teor de gordura e diminuiu os teores de proteína (Quadro 1). Além disso, animais com restrição à sombra produziram leite com maior acidez titulável. 

 

            Quadro 1. Valores médios da produção leiteira e atributos físico-químicos do leite de vacas com (CS) ou sem acesso (SS) à sombra.

Atributo

Trat

Dias

Estresse

Pós (recuperação)

14

22

24

31

38

Produção de leite (L)

SS

20,5 a A

19,7 a A

13,0 b B

21,4 a A

21,7 a A

CS

19,9 a A

18,9 a A

19,6 a A

20,6 a A

20,4 a A

Álcool (%v/v)

SS

73,6 a A

70,6 b AB

67,9 b B

71,6 b AB

74,6 a A

CS

77,2 a A

76,8 a A

74,9 a A

76,8 a A

75,9 a A

Gordura bruta (g/100g)

SS

3,34 a B

3,66 a AB

3,89 a A

3,53 a AB

3,34 a B

CS

3,58 a A

3,27 b A

3,45 b A

3,56 a A

3,53 a A

Proteína bruta (g/100g)

SS

2,89 b B

2,84 b B

2,64 b C

3,05 a A

 3,10 a A

CS

3,04 a AB

2,98 a B

3,04 a AB

3,12 a A

3,10 a AB

Lactose (g/100g)

SS

4,40 a A

4,39 a AB

4,18 b C

4,39 a AB

4,24 a BC

CS

4,39 a AB

4,35 a AB

4,35 a AB 

4,40 a A 

4,26 a B

Ácidez titulável (°D)

SS

15,3 a C

18,4 a B

22,4 a A

16,4 a BC

15,9 a BC

CS

15,1 a A

15,3 b A

15,7 b A

15,8 a A

15,8 a A

a e b são avaliados na coluna, enquanto que A e B são avaliados na linha. Diferentes letras na coluna ou diferentes letras na linha representam diferença significativa (P<0,05). Fonte: Adaptado de Abreu (2015).

 

            A área de sombra também é importante, quando reduzida (2 m2/vaca) aumenta as interações agressivas entre os animais e diminui o tempo de descanso deitada (Stivanin et al., 2019).

  

Mensagens para levar para casa:

 

1.    O estresse térmico REDUZ a produção leiteira, altera a composição do leite e diminui a estabilidade do leite, podendo causar a rejeição do mesmo pela indústria.

2.    É necessário prover sombra às vacas em quantidade (área) e qualidade.

3.    Animais alojados em galpão também podem sofrer estresse térmico. É NECESSÁRIO lançar mão de tecnologias como ventiladores e aspersores.

 

Referências

ABREU, A. S. Fatores nutricionais e não nutricionais que afetam a composição do leite bovino. 2015. 251 f. Tese (Doutorado) – Programa de Pós-Graduação em Zootecnia, Faculdade de Agronomia, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS, 2015.

FAGNANI, R.; BELOTI, V.; BATTAGLINI, A.P. Acid-base balance of dairy cows and its relationship with alcoholic stability and mineral composition of milk. Pesquisa Veterinária Brasileira, v.34, n.5, p.398-402, 2014. https://doi.org/10.1590/S0100-736X2014000500002

MARQUES, L.T.; FISCHER, V.; ZANELA, M.B. et al. Produção leiteira, composição do leite e perfil bioquímico sanguíneo de vacas lactantes sob suplementação com sal aniônico. Revista Brasileira de Zootecnia. v. 40, p. 1088-1094, 2011. https://doi.org/10.1590/S1516-35982011000500021

SILANIKOVE, N. Acute heat stress brings down milk secretion in dairy cows by up-regulating the activity of the milk-borne negative feedback regulatory system. BMC Physiology, London, v. 9, n.13, p 1-9. 2009.

STIVANIN, S. C. B. et al. Variation in available shaded area changes behaviour parameters in grazing dairy cows during the warm season. Revista Brasileira de Zootecnia, Viçosa, v. 48, 2019. http://dx.doi.org/10.1590/rbz4820180316

WERNCKE, D. Relação entre restrição nutricional e acidose ruminal com as alterações na produção e composição do leite. 2017. 112 f. Tese (Doutorado) – Programa de Pós–Graduação em Zootecnia, Faculdade de Agronomia, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS, 2017.

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