Escrito por: Vivian Fischer a
Aline Cardoso Vieira b
Guilherme Heisler b
a Professora Titular do Departamento de Zootecnia da UFRGS, Doutora em Zootecnia.
b Doutorandos do Programa de Pós Graduação em Zootecnia da UFRGS.
O período de seca é um período
crítico para a produção leiteira, normalmente associado à baixa disponibilidade
de pasto e consequentemente a uma escassez natural de alimento, baixo escore de
condição corporal e a mudanças drásticas na alimentação das vacas. Nesse
período, também ocorre maior incidência de instabilidade no leite sem, no entanto,
que este esteja necessariamente ácido, ou impróprio para o consumo.
O leite instável não ácido
(LINA) caracteriza-se pela perda da estabilidade das caseínas, resultando na
precipitação positiva ao teste do álcool 72% (ou superior), apresentando, porém,
acidez normal nos testes que avaliam pH entre 6,6 e 6,8 e acidez titulável entre
14 e 18°D com resultado negativo ao teste de fervura. No entanto, para decidir
sobre a coleta do leite nas propriedades, o teste determinante é o teste do
álcool. A graduação de 72% de etanol na solução teste é o valor mínimo oficial,
IN77 e 78 (MAPA, 2019), mas frequentemente a indústria utiliza concentrações
ainda mais altas como o 76, 78 e 80%.
O teste do álcool, figura 1,
avalia a estabilidade e a resistência do leite ao processamento térmico na
indústria. Após o tratamento térmico, o leite pode ser destinado ao leite
fluidos (pasteurizado ou UHT) ou à fabricação de derivados como queijos,
iogurte, leite em pó, entre outros. O leite com baixa estabilidade pode prejudicar
a industrialização, especialmente no caso de leite em pó e queijos.
Figura 1. Teste do álcool. a: leite estável; b: leite instável.
De forma geral o LINA é resultado de alterações nas propriedades físico-químicas do leite, causadas por transtornos fisiológicos, metabólicos e nutricionais com implicações nos mecanismos de síntese e secreção láctea. Mas o que causa essa instabilidade na caseína do leite? São vários os fatores que podem afetar a estabilidade do leite entre eles podemos citar o estádio de lactação, fatores climáticos, restrição alimentar, desequilíbrio nutricional, entre outros.
Nesse artigo, abordaremos a
restrição alimentar e o aporte nutricional desequilibrado (Figura 2).
Figura 2. Esquema dos fatores que alteram a estabilidade do leite relacionados à restrição alimentar ou nutricional e desequilíbrio nutricional.
A restrição alimentar ou o
aporte nutricional desequilibrado podem prejudicar o equilíbrio do ambiente
ruminal e o metabolismo como um todo, modificando o fluxo de sangue e de nutrientes
para a glândula mamária e alterando a passagem de nutrientes do sangue para as
células mamárias, o que altera a composição do leite.
A lactose, juntamente com o
sódio, potássio e cloro, são os responsáveis pelo equilíbrio osmótico do leite
com o sangue. Em vacas que recebem dietas com aporte nutricional insuficiente
ou com desequilíbrio nutricional (excesso ou deficiência de proteína e energia)
ocorre maior passagem de sais para o leite.
O equilíbrio iônico entre os
sais do leite nas fases difusas e coloidal interfere na estabilidade do leite.
Quando esse equilíbrio é rompido, principalmente pelo aumento de cálcio na fase
difusa e pela diminuição de fosfatos e citratos, a estabilidade das micelas é
reduzida.
A restrição alimentar de 40 ou
50% reduziu a estabilidade do leite de 76 para 69 (Fruscalso et al., 2013;
Stumpf et al., 2016). Restrições mais
leves (30%) tem impacto menor, mas reduzem a estabilidade (Barbosa et al.,
2012).
Tabela 1. Produção e composição de leite de vacas Jersey submetidas à redução de 30% do aporte de alimentos.
Variáveis |
Dietas |
|
Controle |
restrição |
|
Produção de leite L/dia |
9,79 |
9,72 |
Estabilidade1 |
76,01 |
72,75* |
pH |
6,80 |
6,75* |
Acidez titulável2 |
16,94 |
16,75 |
*Diferença
significativa
O desequilíbrio nutricional,
como excesso de proteína bruta (Marques et al., 2010), excesso de proteína
bruta e energia (Schmidt, 2014) ou excesso de proteína degradável fornecida com
milho seco moído (Martins et al.,2019) reduz a estabilidade.
Tabela 2: Resultados
médios conforme o tipo de suplemento oferecido e sua significância sobre a
produção e os aspectos físicos e químicos do leite.
|
Suplemento |
||
Item |
Baixos níveis de energia e
proteína |
Altos níveis de energia e
proteína |
Baixo nível de energia e
alto nível de proteína |
Produção de leite (L)¹ |
8,7b |
13,0a |
13,2a |
Precipitação (% álcool v/v)² |
69,0b |
75a |
71b |
Lactose (%) |
4,0c |
4,6a |
4,3b |
Gordura (%) |
4,8b |
4,8b |
5,4a |
Proteína bruta (%) |
3,9a |
3,9a |
4,0a |
Extrato seco total (%) |
13,3b |
14,2a |
14,4a |
CCS (x 1000 células/mL)³ |
250a |
46b |
87ab |
Letras diferentes na linha
diferem estatisticamente
Fonte: Marques et al., 2010
Segundo Fischer et al. (2012) para corrigir a
instabilidade do leite, quando a causa é a restrição alimentar, os produtores
podem aumentar o aporte de alimento, usando uma ampla variedade de dietas:
1) variando
a proporção de concentrado e silagem entre 35:65, 45:55, e 55:45% desde que estas atendam às exigências
nutricionais dos animais sem causar acidose ruminal.
2) É
preciso ajustar as quantidades de todos os nutrientes, considerando as
necessidades energéticas, proteicas e em minerais.
3) A
severidade da restrição, em termos da privação dos nutrientes e sua duração,
influenciam a redução da estabilidade e o tempo necessário para corrigir o
problema.
A seguir apresentamos alguns resultados de
estudos, mostrando a recuperação da estabilidade do leite através do ajuste das
dietas.
Figura 3. O ajuste das dietas reduz a ocorrência de LINA, aumentando a estabilidade do leite.
Figura 4. Como a restrição nutricional e posteriormente o fornecimento dos nutrientes modifica a estabilidade do leite.
Mensagens
para levar pra casa:
1. A restrição alimentar ou nutricional REDUZ
a estabilidade do leite.
2. É preciso considerar TODOS OS NUTRIENTES para
o correto ajuste da dieta.
Referencias
Barbosa,R.S., Fischer, V., Ribeiro, M. E. R., Zanela, M. B.,
Stumpf, M. T., Kolling, G. J., Schafhäuser Júnior, J., Barros, L.E, Egito, A.
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T., de Abreu, A. S., Machado, S. C., … Stumpf, M. T. (2012). Leite instável não
ácido: Um problema solucionável? Revista Brasileira de Saude e Producao
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https://doi.org/10.3168/jds.2018-15553
Schmidt,
F.A. Efeito do suprimento das exigências de energia e/ou proteína na
recuperação da instabilidade do leite ao teste do álcool (Dissertação), UDESC, SC, 2014.
Stumpf,
M.T., Fischer, V., Kolling, G.J., Silva, A.V., Ribeiro, M.E.R., Santos, C.S.
2016. Behaviors associated
with cows more prone to produce milk with reduced stability to ethanol test due
to feeding restriction. Ciência Rural,
v.46,
1662-1667. https://doi.org/10.1590/0103-8478cr20151246
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