segunda-feira, 25 de maio de 2020

Influência da restrição alimentar sobre a ocorrência de Leite Instável Não Ácido (LINA)

Escrito por: Vivian Fischer a

                    Aline Cardoso Vieira b

                    Guilherme Heisler b

a Professora Titular do Departamento de Zootecnia da UFRGS, Doutora em Zootecnia.

b Doutorandos do Programa de Pós Graduação em Zootecnia da UFRGS.


O período de seca é um período crítico para a produção leiteira, normalmente associado à baixa disponibilidade de pasto e consequentemente a uma escassez natural de alimento, baixo escore de condição corporal e a mudanças drásticas na alimentação das vacas. Nesse período, também ocorre maior incidência de instabilidade no leite sem, no entanto, que este esteja necessariamente ácido, ou impróprio para o consumo.

O leite instável não ácido (LINA) caracteriza-se pela perda da estabilidade das caseínas, resultando na precipitação positiva ao teste do álcool 72% (ou superior), apresentando, porém, acidez normal nos testes que avaliam pH entre 6,6 e 6,8 e acidez titulável entre 14 e 18°D com resultado negativo ao teste de fervura. No entanto, para decidir sobre a coleta do leite nas propriedades, o teste determinante é o teste do álcool. A graduação de 72% de etanol na solução teste é o valor mínimo oficial, IN77 e 78 (MAPA, 2019), mas frequentemente a indústria utiliza concentrações ainda mais altas como o 76, 78 e 80%.

O teste do álcool, figura 1, avalia a estabilidade e a resistência do leite ao processamento térmico na indústria. Após o tratamento térmico, o leite pode ser destinado ao leite fluidos (pasteurizado ou UHT) ou à fabricação de derivados como queijos, iogurte, leite em pó, entre outros. O leite com baixa estabilidade pode prejudicar a industrialização, especialmente no caso de leite em pó e queijos.

 

Figura 1. Teste do álcool. a: leite estável; b: leite instável.


De forma geral o LINA é resultado de alterações nas propriedades físico-químicas do leite, causadas por transtornos fisiológicos, metabólicos e nutricionais com implicações nos mecanismos de síntese e secreção láctea. Mas o que causa essa instabilidade na caseína do leite? São vários os fatores que podem afetar a estabilidade do leite entre eles podemos citar o estádio de lactação, fatores climáticos, restrição alimentar, desequilíbrio nutricional, entre outros.

Nesse artigo, abordaremos a restrição alimentar e o aporte nutricional desequilibrado (Figura 2).


Figura 2. Esquema dos fatores que alteram a estabilidade do leite relacionados à restrição alimentar ou nutricional e desequilíbrio nutricional.

 

A restrição alimentar ou o aporte nutricional desequilibrado podem prejudicar o equilíbrio do ambiente ruminal e o metabolismo como um todo, modificando o fluxo de sangue e de nutrientes para a glândula mamária e alterando a passagem de nutrientes do sangue para as células mamárias, o que altera a composição do leite.

A lactose, juntamente com o sódio, potássio e cloro, são os responsáveis pelo equilíbrio osmótico do leite com o sangue. Em vacas que recebem dietas com aporte nutricional insuficiente ou com desequilíbrio nutricional (excesso ou deficiência de proteína e energia) ocorre maior passagem de sais para o leite.

O equilíbrio iônico entre os sais do leite nas fases difusas e coloidal interfere na estabilidade do leite. Quando esse equilíbrio é rompido, principalmente pelo aumento de cálcio na fase difusa e pela diminuição de fosfatos e citratos, a estabilidade das micelas é reduzida.

A restrição alimentar de 40 ou 50% reduziu a estabilidade do leite de 76 para 69 (Fruscalso et al., 2013; Stumpf et al., 2016).  Restrições mais leves (30%) tem impacto menor, mas reduzem a estabilidade (Barbosa et al., 2012).

 

Tabela 1.  Produção e composição de leite de vacas Jersey submetidas à redução de 30% do aporte de alimentos.

Variáveis

Dietas

Controle

restrição

Produção de leite L/dia

9,79

9,72

Estabilidade1

76,01

72,75*

pH

6,80

6,75*

Acidez titulável2

16,94

16,75

*Diferença significativa


O desequilíbrio nutricional, como excesso de proteína bruta (Marques et al., 2010), excesso de proteína bruta e energia (Schmidt, 2014) ou excesso de proteína degradável fornecida com milho seco moído (Martins et al.,2019) reduz a estabilidade.

 

Tabela 2: Resultados médios conforme o tipo de suplemento oferecido e sua significância sobre a produção e os aspectos físicos e químicos do leite.

 

Suplemento

Item

Baixos níveis de energia e proteína

Altos níveis de energia e proteína

Baixo nível de energia e alto nível de proteína

Produção de leite (L)¹

8,7b

13,0a

13,2a

Precipitação (% álcool v/v)²

69,0b

75a

71b

Lactose (%)

4,0c

4,6a

4,3b

Gordura (%)

4,8b

4,8b

5,4a

Proteína bruta (%)

3,9a

3,9a

4,0a

Extrato seco total (%)

13,3b

14,2a

14,4a

CCS (x 1000 células/mL)³

250a

46b

87ab

Letras diferentes na linha diferem estatisticamente

Fonte: Marques et al., 2010

 

Segundo Fischer et al. (2012) para corrigir a instabilidade do leite, quando a causa é a restrição alimentar, os produtores podem aumentar o aporte de alimento, usando uma ampla variedade de dietas:

1)    variando a proporção de concentrado e silagem entre 35:65, 45:55, e 55:45%  desde que estas atendam às exigências nutricionais dos animais sem causar acidose ruminal.

2)    É preciso ajustar as quantidades de todos os nutrientes, considerando as necessidades energéticas, proteicas e em minerais.

3)    A severidade da restrição, em termos da privação dos nutrientes e sua duração, influenciam a redução da estabilidade e o tempo necessário para corrigir o problema.

 

A seguir apresentamos alguns resultados de estudos, mostrando a recuperação da estabilidade do leite através do ajuste das dietas.


 

Figura 3. O ajuste das dietas reduz a ocorrência de LINA, aumentando a estabilidade do leite.



Figura 4. Como a restrição nutricional e posteriormente o fornecimento dos nutrientes modifica a estabilidade do leite.

 

Mensagens para levar pra casa:

 

1.    A restrição alimentar ou nutricional REDUZ a estabilidade do leite.

2.    É preciso considerar TODOS OS NUTRIENTES para o correto ajuste da dieta.

 

Referencias

Barbosa,R.S., Fischer, V., Ribeiro, M. E. R., Zanela, M. B., Stumpf, M. T., Kolling, G. J., Schafhäuser Júnior, J., Barros, L.E, Egito, A. S. 2012. Caracterização eletroforética de proteínas e estabilidade do leite em vacas submetidas à restrição alimentar. Pesquisa Agropecuária Brasileira47, n.4, p. 621-628. https://doi.org/10.1590/S0100-204X2012000400019

Fischer, V., Ribeiro, M. E. R., Zanela, M. B., Marques, L. T., de Abreu, A. S., Machado, S. C., … Stumpf, M. T. (2012). Leite instável não ácido: Um problema solucionável? Revista Brasileira de Saude e Producao Animal, 13(3), 838–849. https://doi.org/10.1590/s1519-99402012000300021

Fruscalso, V., Stumpf, M.T., McManus, C. M., Fischer, V. 2013. Feeding restriction impairs milk yield and physicochemical properties rendering it less suitable for sale. Sci. Agric. v.70, n.4, p.237-241.

Machado, S.C., McManus, C.M., Stumpf, M.T., Fischer, V. Concentrate: forage ratio in the diet of dairy cows does not alter milk physical attributes. Trop Anim Health Prod (2014) 46:855–859 DOI 10.1007/s11250-014-0576-7

Marques, L. T., Fischer, V., Zanela, M. B., Ribeiro, M. E. R., Junior, W. S., & Manzke, N. (2010). Fornecimento de suplementos com diferentes níveis de energia e proteína para vacas Jersey e seus efeitos sobre a instabilidade do leite. Revista Brasileira de Zootecnia, 39(12), 2724–2730. https://doi.org/10.1590/S1516-35982010001200024

Martins, C.M.M.R.,  Fonseca, D.C.M., Alves, B.G., Arcari, M.A., Ferreira, G.C.,  Welter, K.C.  Oliveira, C.A.F., Rennó, F.P.  and Santos, M.V. 2019. Effect of dietary crude protein degradability and corn processing on lactation performance and milk protein composition and stability. Journal of Dairy Science, v.102, n. 5, 4165-4178. https://doi.org/10.3168/jds.2018-15553

Schmidt, F.A. Efeito do suprimento das exigências de energia e/ou proteína na recuperação da instabilidade do leite ao teste do álcool (Dissertação), UDESC, SC, 2014.

Stumpf, M.T., Fischer, V., Kolling, G.J., Silva, A.V., Ribeiro, M.E.R., Santos, C.S. 2016. Behaviors associated with cows more prone to produce milk with reduced stability to ethanol test due to feeding restriction. Ciência Rural, v.46, 1662-1667. https://doi.org/10.1590/0103-8478cr20151246


sexta-feira, 22 de maio de 2020

Nossa História

O Núcleo de Pesquisa em Pecuária Leiteira e Comportamento Animal (NUPLAC) foi criado em 2006, porém com atividades anteriores realizadas pelo grupo de pesquisa "Estudos em Pecuária Leiteira da Universidade Federal de Pelotas" desde 2001. Hoje está vinculado a Faculdade de Agronomia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).

Ao longo desses 14 anos de história, temos realizado pesquisas nas áreas de nutrição de vacas leiteiras, comportamento e bem-estar animal e alterações na qualidade do leite. Já formamos mais de 30 pesquisadores, entre mestres e doutores, aptos para atenderem a demanda do mercado, buscar soluções e implementar tecnologias. Nossos trabalhos realizados em produção animal com ênfase em bovinos de leite apresentam repercussões e agregam pesquisadores, alunos de graduação e pós-graduação, produtores e cooperativas.

Atualmente o grupo coordenado pela professora Vivian Fischer, conta com 4 doutorandos, 2 mestrandos e um aluno de graduação na iniciação científica. O grupo tem o objetivo de abordar os assuntos relacionados a nutrição, produção e bem-estar dos animais e discuti-los em seus encontros, promovendo uma melhor consciência por parte dos integrantes do seu campo de atuação e aplicabilidade. Realizamos encontros todas as semanas nas quartas-feiras às 11 horas no prédio da pós-graduação da faculdade de agronomia da UFRGS, quando, também, ocorrem discussões sobre experimentos realizados e os em andamento, assim procurando manter todos os membros do grupo atualizados e compartilhando as constatações feitas.

Anualmente realizamos um evento para reunir pesquisadores e estudantes com a comunidade para discutirmos assuntos relacionados a produção, consumo de leite e os benefícios do leite para a saúde e bem-estar das pessoas.